ESSA REALIDADE INATINGÍVEL
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
O BARRO DO ÉDEN:A POESIA DE ALFREDO FRESSIA
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
NELSON RODRIGUES E O AVESSO DA VIRTUDE
domingo, 15 de janeiro de 2012
NIILISMO A QUEIMA-ROUPA
NOVOS CURSOS
Uma oficina de férias na Casa do Saber:
http://www.casadosaber.com.br/
E o Núcleo de Escrita Criativa que estou desenvolvendo na Fundação Klabin, agora com 4 meses de duração, de manhã e de noite:
http://projetocultura.com.br/
http://projetocultura.com.br/
Na Klabin, haverá também um intensivo em janeiro/fevereiro:
http://projetocultura.com.br/
É PRECISO DUVIDAR DE TUDO
Se não existe crítica sem alguma margem de dúvida, tampouco existe dúvida sem uma margem de crença. A crença é tão ou mais importante do que o ato de duvidar pra se chegar a qualquer conhecimento aproximado da realidade. Como diria o grande Vilém Flusser, em A Dúvida, se a dúvida metódica se transformasse em dúvida existencial, ou seja, em dúvida da dúvida, só nos restaria uma saída: a morte. E este seria um suicídio filosófico. Ou seja: uma insípida autoaniquilação. Essa é a crítica mais comum ao ceticismo de tipo pirrônico.
Porém, não acredito que a dúvida, diferente da crença, seja uma exceção no processo cognitivo. Acho que duvidamos como respiramos. Ortega diz algo nesse sentido com seu conceito de "razão vital". Se a crítica da crítica oferece problemas epistemológicos, a fé na dúvida também os oferece, talvez em quantidades ainda maiores. Todos aqueles que criam botes salva-vidas e mecanismos de neutralização, nos quais ao criticar não se vejam também eles no objeto criticado, agem ou por ingenuidade teórica ou por malícia estratégia. Querem se mostrar ou menos conscientes do que poderiam ser ou mais lúcidos do que realmente são. Qualquer conhecimento da realidade só existe de modo encarnado. Nunca como conceito abstrativo. Nesse sentido, toda a realidade e tudo o que existe, de pior e de melhor, não passa de um espelho. É apenas isso o que somos: um espelho. E não por acaso só a partir desse momento começa de fato a especulação.
sábado, 14 de janeiro de 2012
NÓS E O BBB
Só uma coisa me dá mais preguiça do que gente inteligente: gente inteligente falando mal da cultura de massas. E a enxurrada de lugares-comuns da imprensa nos últimos dias atingiu o nível mais gritante da Escala Richter da estupidez. É nessas horas que eu descubro algo fundamental. Só há uma coisa mais baixa do que o BBB: os críticos do BBB. Querem negar que eles também fazem parte do reality show. Inútil. Por quê? Pelo simples motivo de que no atual estágio de capitalismo avançado, de globalização e de hipermodernidade, tudo faz parte do BBB. Tudo é reality show no Palácio de Cristal. Por mais que alguns perfeitos cínicos e outros tantos falsos ilustrados queiram nos fazer crer que eles são imunes a tais baixezas. Compreensível. Desde o Paleolítico a hipocrisia é uma das melhores estratégias de sobrevivência da espécie. Porém, mais cedo ou mais tarde, toda Bela Adormecida acaba tendo que despertar.
A lógica desse tipo de crítica chega a ser infantil de tão previsível. Como se sabe, as crianças adoram a repetição. A repetição é o Paraíso da infância. Um idiota nada mais é do que uma criança ao quadrado. Ou seja, uma criança que vive se repetindo duplamente, pois repete a infância e se repete a si mesma. Repetição da repetição. É basicamente essa a impressão que tenho quando ouço gente inteligente criticar a sociedade de massas. Claro que é bom falarmos do povo, não é? A coisa que os inteligentes mais gostam de fazer é emitir opinião sobre o povo, por mais que, como dizia Nelson Rodrigues, nunca tenham visto ao vivo um torcedor do Flamengo. Não é à toa que o intelectual, como categoria histórica, nasceu junto com a publicidade. Do púlpito aos palanques, intelectual é aquele tipo de animal que adora falar em nome de sua espécie. Curioso animal, este. Um animal que fala em nome do povo. Mas desde que o povo aja conforme os inteligentes e intelectuais acham que ele deve agir. E seja como os inteligentes querem que sele seja.
Ah, sim. A cultura deveria ser dirigida por um programa do Estado. Claro. Vamos criar leis que obriguem todos os botecos e puteiros do Brasil a só tocar Villa-Lobos e Pixinguinha. E quem vai definir o que é cultura elevada? No meu projeto de cultura elevada, por exemplo, 90% da história da literatura brasileira não entraria nos currículos escolares. Muito menos violeiros, como Chico Buarque e Caetano Veloso, ícones de todos os inteligentes. Você aceita assiná-lo? Ou vou ter que apertar o gatilho? Nada mais imbecil do que uma cultura feita de atos institucionais. Bom gosto? Goebbels era apreciador de música clássica e Hitler teve ninguém mais do que Leni Riefenstahl dirigindo a propaganda cinematográfica do Reich. A gravidade da situação de hoje se deve ao fato de as relações humanas estarem absolutamente estropiadas, e não ao fato de não se ler Montaigne. Não há Shakespeare que cure isso. Não há Mozart para esse câncer. Não há Chopin para essa metástase. Não há Homero para esse esgoto.
O que quer então essa maldita classe média que reivindica bom gosto? Nossa, como é terrível o BBB e o funk carioca, não é? Pois o Facebook não passa de um BBB pra pseudointelectuais. Com o agravante de reter informações privadas com uma eficácia que a KGB, o Wikileaks ou a CIA jamais sonharam. Vamos emancipar as massas? Sim. Mas desde que elas sejam dirigidas por nós, que somos inteligentes e sabemos o que é elas não sabem sobre si mesmas. Por isso, sabemos também o que é bom para elas. Parafraseando Bernard Shaw, toda revolução não é nada mais do que uma maneira de transferir a tirania para outros donos.
Pois bem. A cultura de massa não é nada mais do que o reverso de todo o discurso de emancipação popular defendido por todos os progressistas demagogos de todos os quadrantes. Valores? O erro começa ao se usar a palavra no plural. Não existem valores. Tampouco há duas nem mil fontes de valor. Mas apenas uma. O valor é um só. Porque a moral é uma só. Transcendê-la, como fez Nietzsche, não é negar o bem ou o mal, mas simples e sumariamente negar qualquer viabilidade para ambos. Isso quer dizer que se você quer estabelecer dois pesos e duas medidas, pregando a distinção entre uma emancipação boa e uma ruim, você estará apenas hipocritamente moralizando a amoralidade, ou seja, quer dizer que você não passa de um fascista do bem.
Quem fica garganteando valores contra um eventual desvalor da sociedade de consumo, não compreendeu ou finge não compreender que a dinâmica do mundo, há pelo menos dois séculos, não produz mais valores. Produz ações. E uma ação que conduz a outra ação não é nada mais do que a nadificação de todo e qualquer valor. Quem não compreendeu ou finge não compreender isso, não sabe o que é niilismo. Quem não atravessou o niilismo, não entende absolutamente nada do que está acontecendo. Quem quiser continuar criticando as massas e as tecnologias e a defender valores, procure algum grotão sobre a face da Terra onde não exista energia elétrica e fique plantando batatas e fazendo tricô. Agora, com licença que eu vou voltar pro meu Bach. E não encham o meu saco.
segunda-feira, 21 de março de 2011
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
FILOSOFIA BRASILEIRA
Alguns devem saber que estou organizando as Obras Completas do filósofo Vicente Ferreira da Silva. Terminei o terceiro e último volume, mais de 700 páginas, que está indo pra gráfica. Estou trabalhando em um quarto, só de fortuna crítica sobre VFS.
Parte da Introdução Geral foi publicada na revista Desenredos:
http://www.desenredos.com.br/6dss_petronio2_199.html
Preparei também um dossiê sobre VFS para a mesma revista:
http://www.desenredos.com.br/2_santa_teresa_66.html
Felipe Cherubim está fazendo um trabalho excelente também sobre Filosofia Brasileira:
http://www.dicta.com.br/a-redescoberta-da-filosofia-no-brasil-i-panorama-geral/
Nesse sentido mais amplo, há o projeto magistral de Luiz Alberto Cerqueira:
http://filosofiabrasileiracefib.blogspot.com/
Felipe Cherubim também aborda o genial Mário Ferreira dos Santos:
http://www.dicta.com.br/a-redescoberta-da-filosofia-no-brasil-ii-mario-ferreira-dos-santos/
E publicou uma entrevista sobre Vicente Ferreira da Silva, que iria sair no Estadão, mas a pauta caiu:
http://www.dicta.com.br/a-redescoberta-da-filosofia-no-brasil-iii-vicente-ferreira-da-silva/
Isso: a pauta caiu. Se dependermos das universidades e de muitos setores da impressa, dois dos maiores pensadores da língua potuguesa e tantos outros estariam ainda soterrados. Mário totalmente ignorado em vida, Vicente vítima de um sem-fim de preconceitos ideológicos e de uma morte prematura e trágica em um acidente automobilístico, em 1963, o que obstruiu ainda mais a divulgação de sua obra.
Aos possíveis interessados e àqueles que queiram divulgar, seguem aqui esses links. Desculpem o incômodo com essas informações. Mas acho que muita coisa na área da cultura ainda funciona como trabalho de formiga.
Ex Corde
Rodrigo
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
DINASTIA PETISTA, CHAVISMO BRANCO E MEXICANIZAÇÃO EM MARCHA
O processo sucessório presidencial em curso comporta dois cenários marcadamente assimétricos, conforme o vencedor seja José Serra ou Dilma Rousseff. Se for José Serra, não é difícil prever a cerrada oposição que ele sofrerá por parte do PT e dos "movimentos sociais", entidades estudantis e sindicatos controlados por ele - e, provavelmente, do próprio Lula. Se for Dilma Rousseff - como as pesquisas estão indicando -, o cenário provável é a ausência, e não o excesso, de oposição. Para bem entender esta hipótese convém levar em conta dois fatos adicionais. Primeiro, o cenário Dilma não se esgota na figura da ex-ministra. Ele inclui, entre os elementos mais relevantes, o controle de ambas as Casas do Congresso Nacional pela dupla PT e PMDB. Inclui também uma entidade institucional inédita, personificada por Lula. Semelhante, neste aspecto, a um aiatolá, atuando de fora para dentro do governo, Lula tentará, como é óbvio, influenciar o conjunto do sistema político no sentido que lhe parecer conveniente ao governo de sua pupila ou a seus próprios interesses. Emitirá juízos positivos ou negativos, em graus variáveis de sutileza, sobre medidas tomadas pelo governo e regulará não só o comportamento da base governista no Congresso, mas também os movimentos de sístole e diástole da "sociedade civil organizada" - entendendo-se por tal os sindicatos, segmentos corporativos e demais organizações sensíveis à sua orientação. O segundo fato a considerar é a extensão da derrota que Lula terá conseguido impor à oposição. Claro, a eventual derrota será também consequência das ambiguidades, das divisões e dos equívocos da própria oposição, mas o fator determinante será, evidentemente, a ação de Lula e do esquema de forças sob seu comando. Deixo de lado, por óbvio, as condições econômicas extremamente favoráveis, o Bolsa-Família, a popularidade do presidente, etc.José Serra ficará sem mandato até 2012, pelo menos. No Senado - a menos que sobrevenha alguma reorganização das forças políticas -, Aécio Neves fará parte de uma pequena minoria parlamentar, situação em que ele dificilmente exercerá com desenvoltura as suas habilidades políticas. Nos Estados, os governadores eventualmente eleitos pelo PSDB, sujeitos ao torniquete financeiro do governo federal, estarão igualmente vulneráveis ao rolo compressor governista. Longe de mim subestimar lideranças novas, como a de Beto Richa, no Paraná, e a de Geraldo Alckmin, em São Paulo. Mas não é por acaso que Lula já se apresta a batalha por São Paulo, indicando claramente a sua disposição de empregar todo o arsenal necessário a fim de reverter o favoritismo tucano neste Estado. Resumo da ópera: no cenário Dilma, o conjunto de engrenagens que Lula montou ao longo dos últimos sete anos e meio entrará em pleno funcionamento, liquidando por certo período as chances de uma oposição eficaz. A prevalecer tal cenário, parece-me fora de dúvida que a democracia brasileira adentrará uma quadra histórica não isenta de riscos.É oportuno lembrar que o esquema de poder ora dominante abriga setores não inteiramente devotados à democracia representativa, adeptos seja do populismo que grassa em países vizinhos, seja de uma nebulosa "democracia direta", que de direta não teria nada, pois seus atores seriam, evidentemente, movimentos radicais e organizações corporativas. Claro indício da presença de tais setores é a famigerada tese do "controle social da mídia", eufemismo para intervenção em empresas jornalísticas e imposição de censura prévia.Na Primeira República (1889-1930), a "situação" - ou seja, os governantes e seus aliados nos planos federal e estadual - esmagava a oposição. Foram poucas e parciais as exceções a essa regra. Mas a estratégia levada a cabo por Lula está indo muito além. É abrangente, notavelmente sagaz e tem um objetivo bem definido: alvejar em cheio a oposição tucana. Para bem compreendê-la seria mister voltar ao primeiro mandato, ao discurso da "herança maldita", sem precedente em nossa História republicana no que se refere ao envenenamento da imagem do antecessor; à anistia, retoricamente construída, a diversos corruptos e até a indivíduos que se aprestavam a cometer um crime - os "aloprados"; e aos primórdios da estratégia especificamente eleitoral, ao chamado confronto plebiscitário, em nome do qual ele liquidou no nascedouro toda veleidade de autonomia por parte de quantos se dispusessem a concorrer paralelamente a Dilma Rousseff. A Ciro Gomes Lula não concedeu sequer a graça de uma "sublegenda", para evocar um termo do período militar.Para o bem ou para o mal, a única oposição político-eleitoral potencialmente capaz de fazer frente ao rolo compressor lulista é a aliança PSDB-DEM-PPS. No horizonte de tempo em que estou pensando - digamos, os próximos quatro anos -, não há alternativa. Portanto, a operação a que estamos assistindo, com seu claro intento de esterilizar ou virtualmente aniquilar essa aliança, coloca-nos nas cercanias de um regime autoritário.Sem a esterilização ou o aniquilamento político-eleitoral da mencionada coalizão, não há como cogitar de um projeto de poder hegemônico, de longo prazo e sem real alternância de poder. A esterilização pode resultar de uma estratégia deliberada por parte do comando político existente em dado momento, de uma conjunção de erros, derrotas e até fraquezas das próprias forças oposicionistas - ou de ambas as coisas.Sociologicamente falando, não há funcionamento efetivo da democracia, quaisquer que sejam os arranjos constitucionais vigentes, num país onde não exista uma oposição eleitoralmente viável. Haverá, na melhor das hipóteses, um autoritarismo disfarçado, um "chavismo branco" ou, se preferem, um regime mexican style - aquele dominado durante seis décadas pelo PRI, o velho Partido Revolucionário Institucional mexicano.
segunda-feira, 19 de julho de 2010
OFICINA DE ESCRITA CRIATIVA
FUNDAÇÃO EMA KLABIN
PROJETO CULTURA
http://www.projetocultura.com.br/index.php/component/content/article/37-arte/169-oficina-de-escrita-criativa
Oficina de Escrita Criativa
Professor Rodrigo PetronioDuração 5 encontros semanaisDias terças-feiras, das 14:30 às 16:30 horasDatas 10, 17, 24, 31 de Agosto, 14 de Setembro Local Fundação Ema Klabin - Rua Portugal 43, Jardim Europa
Valor R$ 150,00 na inscrição + uma parcela de R$ 170,00
OFICINA DE ESCRITA CRIATIVA
Professor | Rodrigo PetronioDuração | 5 encontros semanaisDias | terças-feiras, das 14:30 às 16:30 horasDatas | 10, 17, 24, 31 de Agosto, 14 de Setembro Local | Fundação Ema Klabin - Rua Portugal 43, Jardim Europa
Valor | R$ 150,00 na inscrição + uma parcela de R$ 170,00
RELIGIÕES: UMA INTRODUÇÃO TEMÁTICA
Religiões: uma introdução temática
Professor Rodrigo PetronioDuração 7 encontros semanaisDias quintas-feiras, das 20:30 às 22:30 horasDatas 12, 19, 26 de Agosto, 02, 09, 16, 23 de Setembro Local Fundação Ema Klabin - Rua Portugal 43, Jardim Europa
Valor R$ 200,00 na inscrição + duas parcelas de R$ 145,00
terça-feira, 22 de junho de 2010
CURSO: A ARTE E OS ARQUÉTIPOS
http://www.projetocultura.com.br/index.php/component/content/article/39-historia/146-a-arte-e-os-arquetipos
A Arte e os ArquétiposProfessor Rodrigo PetronioDuração 4 encontros na mesma semana- Início dia 05 de JulhoDias segunda à quinta-feira, das 20:30 às 22:30 horasDatas 05, 06, 07 e 08 de Julho
Valor R$ 125,00 na inscrição + uma parcela de R$ 125,00Local Fundação Ema Klabin - Rua Portugal 43, Jardim EuropaInscrições pelos telefones 2307-0767 e 8128-5521
O conceito de arquétipo pode ser entendido sob diversas perspectivas, tendo em vista uma ênfase na filosofia, na literatura, na arte, na antropologia, na teologia, na psicologia, na história das religiões ou na sua dimensão estritamente formal. Até na biologia, na física e na química há estudiosos que propõem teorias arquetípicas.Em todos esses contextos é possível compreender a sua estrutura e as suas funções, em uma perspectiva histórica, mas também atual. Basicamente criada por Platão, a noção de arquétipo se revestiu de diversos sentidos e amalgamou em si uma série de conceitos de natureza próxima: mito, símbolo, signo, figura, tipo, protótipo, alegoria, imagem, entre outras.
No século XX, foram criadas algumas novas abordagens para o arquétipo, que têm ganhado cada vez mais o campo de estudos e aberto novas frentes de interpretação. O tema é imenso. A proposta deste curso é apenas abrir algumas janelas e lançar luzes sobre este conceito produtivo, partindo da arte, da literatura, do cinema e de temas contemporâneos em evidência.
Aula 1 - Introdução. Aarkhé de Platão e o mundo das Formas: essência, forma, real, eidos e aparência. A era cristã e o sentido figural e revelado da interpretação: entre os arquétipos e a história. Arquétipo e Alegoria, Tipos e Protótipos: a leitura cristã do mundo das Formas. A visão arquetípica da Academia Platônica do século XV. Modernidade e esvaziamento arquetípico. O debate nos séculos XX e XXI. A Escola de Eranos: Eliade, Kerényi, Corbin. Jung e a Psicologia Analítica: as bases da teoria arquetípica na psicologia moderna. O renascimento do pensamento arquetípico: Guénon, Coomaraswamy, Burckhardt, Lings, Schuon e a Filosofia Perene. O Instituto Aby Warburg: Frances Yates e Edgar Wind. Dois gênios brasileiros na cena mundial: Mário Ferreira dos Santos e Vicente Ferreira da Silva. O debate atual: Gilbert Durand, a “teoria geral dos arquétipos” e as “estruturas antropológicas do imaginário”. A nova Antropologia do Imaginário. Teoria dos arquétipos literários: Frye e Mielietinski.
Aula 2 - O arquétipo nas artes. Princípios de geometria sagrada. Formas elementares do mundo e da consciência: a Forma das formas. O “naturalismo” grego: uma aberração? Leonardo e a literalização da arte arquetípica. A Alquimia: fonte inesgotável da ação arquetípica. O princípio de matematização do espaço. Marcel Duchamp e a crítica da “arte retiniana”: abertura arquetípica ou fraude? Retorno de novas formulações sobre a arte. Paul Klee, Paul Delvaux, Balthus, Bacon: o deslocamento arquetípico. Anselm Kiefer: os dons malignos de Lilith. Alguns contemporâneos.
Aula 3 - Os arquétipos na literatura. O poema sumério Gilgamesh e o fundamento das estruturas imaginárias da ficção. O Hino de Purusa do Rig-Veda: o Homem entre o Céu e a Terra. Orfeu e o orfismo. Do Céu e do Inferno. Dante e a estrutura arquetípica da Divina Comédia. O Quixote: equivocidade dos signos e loucura − a oficina cansada dos arquétipos. Fausto de Goethe: a oclusão da alma e o pacto com a Sombra. Dostoiévski: as bases arquetípicas do Homem e a consciência do Mal. Alguns poetas arquetípicos do século XX. Guimarães Rosa: entre Deus e o Diabo, a “matéria vertente” do Homem.
Aula 4 - Os arquétipos e o mundo contemporâneo. Imanência, materialismo e construtivismo: a Santíssima Trindade da modernidade. A cruzada dos chimpanzés contra as religiões. O simbólico, o imaginário e o real: as tramas do inconsciente. Do arquétipo ao Estado. A assimilação das estruturas arquetípicas pelo Leviatã: a redução à Ideologia. O sagrado reduzido a ideologia e a “ciência”: do fascismo ao holismo. A ditadura dos oprimidos: a oclusão das formas arquetípicas e o criptofascismo contemporâneo. Cultura de massas e Sombra Coletiva. O conceito de “desejo mimético” de René Girard e a violência sagrada. Violência, desejo mimético, bode expiatório. Crise dos “ciclos sacrificiais” e declínio das instâncias de mediação simbólica. O eu, os simulacros e os bloqueios à ação arquetípica. Os arquétipos e o cinema: alguns filmes e diretores: Lang, Murnau, Bergman, Tarkovski, Von Trier, Pasolini, Sokúrov, Dreyer.
Rodrigo Petronio é editor, escritor e professor. Formado em Letras Clássicas e Vernáculas pela USP. Professor do curso de Criação Literária da Academia Internacional de Cinema (AIC), professor-coordenador do Centro de Estudos Cavalo Azul, fundado pela poeta Dora Ferreira da Silva, e coordenador de grupos de leitura do Instituto Fernand Braudel. É membro do Nemes (Núcleo de Estudos de Mística e Santidade) da PUC-SP. Autor dos livros: História Natural, Transversal do Tempo, Assinatura do Sol, Pedra de Luz e Venho de um País Selvagem, entre outros.
CURSO: DANTE E A DIVINA COMÉDIA
http://www.projetocultura.com.br/index.php/component/content/article/62-dante-e-a-divina-comedia
Dante e a Divina Comédia
Professor Rodrigo PetronioDuração 4 encontros na mesma semanaDias segunda à quinta-feira, das 20:30 às 22:30 horasDatas 12, 13, 14, 15 de JulhoLocal Fundação Ema Klabin - Rua Portugal 43, Jardim EuropaValor R$ 125,00 na inscrição + uma parcela de R$ 125,00
Uma das obras mais traduzidas e comentadas no mundo depois da Bíblia, a Divina Comédia de Dante é um dos maiores poemas da humanidade e um acontecimento espiritual e literário basilar do Ocidente. Porém, para entendermos a sua raiz e a sua estrutura, é necessário não apenas ir além do que se designa modernamente como literatura, mas também adentrarmos domínios como o da história das religiões, da filosofia, da teologia e da hermenêutica dos símbolos sagrados. Mesmo as fronteiras geográficas e culturais disso que chamamos de Ocidente cristão devem ser postas entre parênteses, pois, sendo também uma das obras mais eruditas da história da literatura, é um mosaico que sintetiza referências antiquíssimas e de procedência vária, tanto a Oriente quanto a Ocidente, seja por meio de assimilação direta ou indireta.
Dante pode ser considerado o maior poeta órfico de todos os tempos. Ao propor, ele mesmo, várias camadas de leitura (literal, moral, alegórica, anagógica) e vários níveis de temporalidade, conseguiu uma proeza de ser um dos poetas mais humanos, na pintura dos afetos, dos vícios, das virtudes e das paixões, e ao mesmo tempo um dos mais transcendentais, ao capturar nossa condição e nossa fisionomia sempre sob um fundo de eternidade. O curso pretende levantar os principais elementos da obra, suas questões nucleares, bem como sinalizar os episódios mais importantes, como forma de orientação de leitura. Para tanto, pretende-se fazer menção a temas que vão desde assuntos históricos de época até concepções religiosas, poéticas e filosóficas que subjazem à sua estrutura.
Aula 1 - As origens da representação da vida após a morte. Poesia e Revelação: o poeta como vate-sacerdote. A invenção da imortalidade. A concepção órfico-pitagórica e a escatologia judaica: origens do conceito de imortalidade cristã. Platão e a alma imortal. As origens e as principais concepções de Inferno e Paraíso. Terra e Céu, Inferno e Paraíso. O Purgatório e os corpos intermediários. Virgilio e Platão: filtros das doutrinas esotéricas antigas. Dante e os poetas visionários arcaicos. A Divina Comédia: a poesia como gnose e a fundamentação tomista do Universo. Síntese entre poesia extático-visionária e arquitetura conceitual escolástica.
Aula 2 - Inferno: a estrutura do Inferno de Dante. Comparação com outros infernos. O problema do Mal. O Mal entre a privação e a potência: duas visões excludentes. A superação do maniqueísmo. A Mal como ausência de unidade ontológica. A divisão dos pecados e das punições e a hierarquia metafísica. A doutrina da apocatástase e o problema insolúvel da realidade do Mal. Principais episódios e personagens.
Aula 3 - Purgatório: uma “psicanálise em grande em estilo”. Transformação interior e redenção: metanoia e conversio. O sentido dos pecados de acordo com a “falta de amor”. Entre a obra humana e a graça eficaz. O processo de transformação e o sentido simbólico dos graus objetivos da natureza. O Paraíso Terrestre e a Árvore da Vida: redenção da natureza e regeneração da vida. Principais episódios e personagens.
Aula 4 - As visões edênicas e o sentido arquetípico do Paraíso. De Jardim a Cidade, de Cidade a Templo e de Templo a Eternidade: as diversas metamorfoses da concepção de Paraíso. Protologia e escatologia. A inversão dos vetores temporais: da Origem Perdida ao Fim do Tempo. Dos mitos cosmogônicos à Redenção Universal. A estrutura dos céus na Divina Comédia, os principais personagens e seus sentidos simbólicos. O Paraíso da Divina Comédia e a escatologia islâmica: Dante e Ibn ‘Arabi. Os graus do Uno. Retorno da alma ao Uno e confronto com o além-ser. Teologia negativa, mística da luz e apofatismo na ascensão do Paraíso. O Empíreo e o Primo Mobile. A reintegração de tudo em tudo e a unidade transcendente de Deus. Deus como Face e como Espelho.
Rodrigo Petronio é editor, escritor e professor. Formado em Letras Clássicas e Vernáculas pela USP. Professor do curso de Criação Literária da Academia Internacional de Cinema (AIC), professor-coordenador do Centro de Estudos Cavalo Azul,fundado pela poeta Dora Ferreira da Silva, e coordenador de grupos de leitura do Instituto Fernand Braudel. É membro do Nemes (Núcleo de Estudos de Mística e Santidade) da PUC-SP. Autor dos livros: História Natural, Transversal do Tempo, Assinatura do Sol, Pedra de Luz e Venho de um País Selvagem, entre outros.
segunda-feira, 7 de junho de 2010
NÓS, OS FEMINICIDAS
DEMO, CRACK & CIA
Sim. O problema do mundo são os mendigos. Na verdade, gostaria de falar do filme Hadewijch, de Bruno Dumont, ambientado nos dias de hoje, mas inspirado na vida da mística homônima do século XIII, e que passou na mostra de cinema francês que ocorreu em São Paulo esta semana. Mas me vi subitamente interpelado por uma série de artigos de jornal tratando do crescimento do consumo de crack, carinhosamente conhecido como “raspa da canela do diabo”. Como se sabe, os traficantes, como em qualquer iniciativa privada com fins lucrativos, controlam o ciclo da droga. Agora acabaram de aumentar o valor da grama de maconha de 2 pra 5 reais. Em um bom funcionamento capitalista, essa é a melhor forma de tirá-la do mercado. Mas, claro, a estória não acaba assim. Eles estão começando a mesclar pequenas doses de crack à maconha, para paulatinamente começar a formar seus futuros clientes. Os novos viciados em crack serão os atuais consumidores de inofensivos baseados. Esse é o projeto da década.
Seu filho ou sua filha, leitor e leitora, que gostam de queimar um baseadinho no Centro Acadêmico da universidade, sabe? Então. O demônio mora ao lado. Já dizia e continua dizendo, firme e forte, minha avó. E olha que ela nunca leu Hannah Arendt. Em termos logísticos, o crack é quase igual à cocaína. Em termos de lucro, a balança pesa desfavoravelmente: 300% de lucro na coca, 200% de lucro no crack. Mas não se engane. Isso se compensa em outras frentes. O que é interessante, na verdade, é ver como a distribuição dos números funciona. Porque a cocaína passou a ser droga de elite, e a maconha, droguinha de intelectual parasita. Então o crack tomou imensas projeções na balança comercial. Podendo atingir potencialmente classes que vão de A a E, tem um público consumidor virtual de 164 milhões de brasileiros. Exatamente isso. Mais de 90% da população.
Neste momento, levanto-me da cadeira e vou à janela. Leitor, moro no Largo do Arouche, centro de São Paulo. Na minha porta, todos os dias, moleques caídos, mendigos atravessados, neuras na fissura. Olho pela janela, e tudo dorme. Alguns trapos humanos vagam pela rua. Uns zumbis, com seus cobertorzinhos. É muito comum no centro de São Paulo esses trapos vagarem assim, ainda mais agora, que é madrugada. Uma pedra de crack, e você já está na nóia, no vício. Como a heroína, não há usuário de crack. Só há viciados. Porém, é muito diferente, um pobre-diabo desses, trapo do capeta, vagando na noite, e um drogado que tenha estrutura. Lembra do seu filho, falando de Marx, de libertação sexual, de surrealismo, no Centro Acadêmico? Então.
Nesta mesma semana, uma longa matéria sobre Billy Clegg, agente literário em Nova York, com carreira brilhante junto às mais importantes editoras dos EUA. Acabou de escrever sua autobiografia, na qual narra a sua passagem por mais de um ano numa clínica de desintoxicação. Orgias, rituais macabros, quase-morte, estado vegetativo. Clegg chegou ao fundo mais pardacento do poço, com consumo diário de várias doses de crack. Não chegou à morte, convenhamos, porque tinha estrutura. Estrutura. Essa é a palavra. Estrutura. A mesma estrutura que o filho do querido (ou querida) leitor (ou leitora) tem. A estrutura que o maldito guri que observo agora pela janela, arrastando seu cobertorzinho fedido, não tem. Azar o dele. Então. Vejamos. O filho ou a filha da minha querida ou querido leitor estão fumando seu baseadinho em paz. Eles são progressistas, desinibidos, já passaram por n revoluções sexuais. Coisa de 68 é passado distante. Hoje em dia o que rola são surubas cultas com os colegas e drogas variadas: ecstasy, LSD, pó, haxixe. Nada de ideologia. De romantismo revolucionário. Felizmente. Ao menos nisso, o progresso existe. E presta. Trepar sem ideologia foi o primeiro grande avanço da humanidade. Trepar sem amor será o segundo. Depois, vão se dedicar a alguma profissão liberal, seja nas ciências humanas, nas exatas, no direito, na medicina ou que tais. Eles têm escolhas, e as realizam. Leitor, isso se chama: cidadania. Eles têm a escolha da profissão, assim como têm a escolha de votar na Dilma. Eles têm a escolha de beber uma cerveja, de tomar uma coca-cola ou de fumar um baseado-pedra. Quantia mínima. Você nem percebe, cara. E dá uma brisa boa. Leve. Diferente. Escolha. É esta a palavra. Quanto mais opções de escolha, mais democracia.
Entretanto, façamos uma estatística em nada assombrosa ou mirabolante. Se o público-alvo do crack está projetado em torno de 160 milhões de pessoas, obviamente isso é uma estimativa meramente numérica. Disso se excluem todos os aposentados, donas-de-casa, avós, avôs, religiosos, padres, crianças, virgens, debutantes, energúmenos, doentes, parasitas e tantos e tantos quejandos. Chutemos a cifra de 20 milhões de usuários em potencial, 1/8 do número original. Que metade deles (10 milhões) seja mais efetiva enquanto usuários, e que 1/5 (2 milhões) desta cifra o seja de fato. Não serão usuários de crack puro, obviamente, querida leitora. A senhora acha que seu filho se parece com esse trapo humano que olho pela janela? Está ficando louca? Justo seu filho, que sabe línguas, fez estágio no exterior, balé, piano, natação, ginástica olímpica, e que hoje fuma placidamente seu baseadinho na universidade? Que coisa. Quem diria, seu filho, de trapinho nas costas, todo vegetal, se arrastando, entre merda e urina, no esgoto das noites, no centro de São Paulo? Aqui, justo na minha calçada? Então.
Como amante incondicional das palavras, nunca entendi por que a palavra demônio e democracia têm a mesma raiz. Os manuais escolares nos ensinaram direitinho: democracia é a cracia do povo, o governo do povo. Mas o que o povo tem a ver com o demo? Mais que isso, nunca compreendi por que a palavra demo, sozinha, quer dizer algo de consumo fácil, gratuito, distribuído para teste. É o seu sentido de povo. Mas e o seu sentido de Demo, Capeta, Fuinha, Cujo, Dito, Diabo, Caititu, Fominha, Abutre, Nego, Pindéu, Banguela, Satanás, Ó, Cabrito, Belzebu? Pensei logo que essas coincidências tinham sido invenção de algum neonazista. Ou de algum Capeta. Mas não. Como dizia minha avó, que nunca leu Hannah Arendt, o demônio mora ao lado. É tudo uma questão de escolha. De opção. A democracia é demo, porque é uma oferta quase gratuita, sempre à mão. Um sem-número de possibilidades. E de escolhas. Quase grátis. Demo. Escolha. Essa é a palavra, leitor. Memorize. A democracia é demoníaca, porque lida com a liberdade humana como quem lida com um manual, com uma bula, com um antibiótico, com uma pomada, com um revólver, com um tônico capilar, com um absorvente, com um guia de ruas. Na planificação democrática, tudo assume função de projeto a ser efetivado. Tudo tem um destino, como se tivesse um desígnio. Que bom, assim temos acesso aos bens de consumo, não? Ventiladores, celulares, GPS, cigarros, pornografia, prostitutas, maconha, crack. Já pensou, 2 milhões de usuários de crack soltos pela rua? Mesmo em um país desse tamanho, na concentração de uma grande metrópole, isso seria um arrastão de zumbis por todas as ruas e avenidas centrais. Mas esse arrastão já existe. E talvez exista um batalhão de futuros pedreiros (como são carinhosamente conhecidos) nos bancos universitários. Futuros assassinos? Não só da ridícula esquerda liberal. Mas também executivos e estelionatários de luxo. Futuros pedreiros. Todos eles são os moleques aqui da minha porta, leitora. Mendigos e demônios. Todos: Demo. Esse lixo humano, fedorento, que eu detesto. E detesto mesmo. Escória. Asco. Lixo humano. Resto biológico. Sobra das fezes de algum plebeu. Isso que eles são.
Então. O filme de Bruno Dumont fala de uma figura extremamente pura, que devotou sua vida a Cristo. Virgem. Ela não consegue tocar em um homem. E se diz amante de Deus. Amante de Cristo, em carne e osso. Amante. Simplesmente isso. A atriz, amadora. Não profissional. Amante. Filha de um ministro francês, é uma menina de alta sociedade. Não suporta a família. Nenhuma indireta pra você, leitora. Só estou narrando o filme. E então ela se interna em um convento. E o convento a expulsa. Vai encontrar Deus nas ruas – diz a freira. Ela não encontra Deus nas ruas. Encontra o demo. O Islã. Envolve-se com dois irmãos árabes. Um, bandidinho desnorteado. Outro, futuro homem-bomba. Um, falso religioso. Outro, verdadeiro. E em plena missão. Ela segue o religioso verdadeiro, correto? Sim. Porque ela é verdadeira. E no nosso tempo parece que a verdade sempre tem algum compromisso com o Mal. Não está a fim de meias-verdades ou de planos quinquenais. Tipo a sua família, bolsa-escola, ministros, baseadinhos em universidades, conversas fiadas, orgias, papos progressistas, esquerdismo liberal, PT, falta de vergonha na cara, ONGs, lixo marxista, besteirol intelectual, vagabundagem. Claro que sim. Depois da conversão, todos os preparativos para o que fica em suspense: ambos se explodirão no metrô de Paris. Quanto mais próxima do Terror, mais ela fica bela. Mais cresce como mulher. Então, leitor, será que seu filho vai estar com a moçada da uni nessas férias na França? Ou será que vai estar aqui na porta da minha casa? Não. Não. Acho que ele não viajou com os colegas maconheiros nessas férias pra Europa.
Hadewijch encontra Nassar no metrô. Ambos de jaqueta. Como são tristes as fisionomias no metrô, não? Como são tristes os dias repetidos de nossa rotina, essa rotina, espécie de arte de conduzir à morte com sussurros e palavras brandas. É isso: democracia. Império da Escolha. Liberdade do Demo. Cadeia de Satanás. Se Tudo é permitido, Nada é permitido. O Absoluto da Liberdade é o Absoluto da Opressão. Ainda não caiu a ficha, truta? Salve São Marquês de Sade! Padroeiro da modernidade. Seria isso? O pacto com o Cujo, lembra? Não é no redemoinho, não. Na encruzilhada. Não. Não é no fundo sem fundo do Inferno de Lúcifer. Não é com o titânico Satã de Milton. Não é fáustico. Nem mefistofélico. O pacto com o Demo. Escolha. Democracia. Opção. Liberdade. Crack. Cracia do demo. Isso. Palavras brandas. Opção. Escolha. Dá um trago desse seu baseado, truta? Canela do Demo. Arte de conduzir ao túmulo. Não com palavras gregas, como dizia Hipócrates. Mas com palavras suaves. Dir-se-ia quase doces. Como as fezes do menino na sarjeta, queimando uma pedra, agora, de madrugada. Como as doces manhãs de Paris, à margem do Sena. Enquanto o metrô não explode. Enquanto o metrô explode. Explode. Bem debaixo do Arco do Triunfo. O metrô explode.
Ato contínuo, Hadewijch aparece no convento. Cristo a salvou do suicídio? Estaríamos vendo sua alma? Em que plano se passa a ação? Ou ela desistiu no último segundo e correu, porta afora, antes da explosão? Nada se explica, como em todo bom cinema. Mas ela não suporta. Viver entre vermes, entre gente pardacenta, de meias-verdades, meias-patacas, meias-palavras. O meio-termo é uma ilusão dos sentidos, dizia eu outro dia a mim mesmo, em um momento de pura filosofia. Sim. Resta o suicídio. Nem mosteiro, nem rua. Nem casa, nem sarjeta. O meio-termo é uma ilusão dos sentidos. Sim. Na larga campina, no bosque do mosteiro. Ofélica, ela se lança, no lago. Afunda. Afunda. Gruda-se às raízes das árvores, submersas, álacres. Mas uma figura surge do fundo para desfazer o equívoco. Salva-a. É o carpinteiro. Acabara de sair da prisão. Homem de dentes podres, comidos pela vida. Semblante aceso. Tranquilo. Puro. Parece um animal em sua docilidade. O abraço de ambos sela um novo pacto. Fim.
Vou à janela. Penso: o novo pacto é a conivência com a fatalidade? É a aceitação de nosso destino miserável? Esse foi o pacto de Hadewijch? Primeiro com o Terror, desfeito? Depois com um pobre-diabo, consumado? Mas este não seria o demo? Ou seria Cristo, em sua mais abjeta (e bela) humilhação? Ela fez o pacto com Cristo, o Artífice da Glória? Ou com apenas mais um carpinteiro? Com um qualquer? Seria um pacto de glória, não de perdição? Seria essa figura bruta o emblema da nossa triste precariedade? Mas então era isso o Cristo que ela tanto amava? Vou de novo à janela. Atônito. Nervoso. Hesitante. Mais um trapo, sombra, fezes, fedor e nojeira. Corre de um lado pra outro, em alucinações. Não. Não. Não posso interromper minha missão nesse momento. Aperto o cachimbo e pingo dois gramas de veneno. Desço as escadas, escuras, paulatinamente. Ao sair, ninguém na rua. Só vultos e fantasmagorias do que virá a ser o amanhã. Vem cá, meu irmão. Vem cá, brother. Eu posso te ajudar na sua fissura. Segura aqui. Essa é na faixa. De cortesia. Ele acende a brasa do cachimbo e cai estático. Arrasto o corpo para o lado, pra não atrapalhar a passagem. Afinal, logo amanhece. É preciso deixar espaço pros pedestres. Levarão junto com o lixo. Democracia. Pedestres. Opção. Escolha. Fiz por amor. Foi por amor ao seu filho, leitora. Quanto antes, menos sofrimento. Faço o sinal da cruz. Volto para casa. No céu, a lua crescente do Islã. O problema do mundo são os mendigos.