terça-feira, 24 de julho de 2007

Para uma Poética

Não acredito em nenhuma poesia que não seja órfica. A arte degenera quando se desenraiza do mito. Vira literatura. Quando não coisa bem pior. A poesia é uma revelação de natureza profana, um sacerdócio sem templo. É o ponto de encontro entre a minha experiência interior mais profunda e a alteridade mais radical. É quando meu coração ecoa a voz do inteiramente Outro. Esse movimento pendular de um extremo a outro é o que sustenta a poesia, movimento este que nunca é harmônico. Baseia-se em rupturas, traumas, quebras, cisões. Para o indivíduo, uma fratura da integridade psíquica. Para a sociedade, uma transgressão. Porta-voz dessa experiência, o poeta revela algo que não é de seu domínio, nem do domínio do mundo circundante. É sim a essência que os funda, porque os transcende. Por isso o poeta é a mais inocente das criaturas. Infinitamente inocente. Seus gestos não são seus, e tampouco são gestos alheios. Ele não quer, não deve, não pode e não tem de ser responsabilizado pela sua vocação à maldição. Porque ela não lhe foi dada e muito menos escolhida. Ela é o próprio solo que ele pisa.