sábado, 14 de janeiro de 2012

NÓS E O BBB

Só uma coisa me dá mais preguiça do que gente inteligente: gente inteligente falando mal da cultura de massas. E a enxurrada de lugares-comuns da imprensa nos últimos dias atingiu o nível mais gritante da Escala Richter da estupidez. É nessas horas que eu descubro algo fundamental. Só há uma coisa mais baixa do que o BBB: os críticos do BBB. Querem negar que eles também fazem parte do reality show. Inútil. Por quê? Pelo simples motivo de que no atual estágio de capitalismo avançado, de globalização e de hipermodernidade, tudo faz parte do BBB. Tudo é reality show no Palácio de Cristal. Por mais que alguns perfeitos cínicos e outros tantos falsos ilustrados queiram nos fazer crer que eles são imunes a tais baixezas. Compreensível. Desde o Paleolítico a hipocrisia é uma das melhores estratégias de sobrevivência da espécie. Porém, mais cedo ou mais tarde, toda Bela Adormecida acaba tendo que despertar.

A lógica desse tipo de crítica chega a ser infantil de tão previsível. Como se sabe, as crianças adoram a repetição. A repetição é o Paraíso da infância. Um idiota nada mais é do que uma criança ao quadrado. Ou seja, uma criança que vive se repetindo duplamente, pois repete a infância e se repete a si mesma. Repetição da repetição. É basicamente essa a impressão que tenho quando ouço gente inteligente criticar a sociedade de massas. Claro que é bom falarmos do povo, não é? A coisa que os inteligentes mais gostam de fazer é emitir opinião sobre o povo, por mais que, como dizia Nelson Rodrigues, nunca tenham visto ao vivo um torcedor do Flamengo. Não é à toa que o intelectual, como categoria histórica, nasceu junto com a publicidade. Do púlpito aos palanques, intelectual é aquele tipo de animal que adora falar em nome de sua espécie. Curioso animal, este. Um animal que fala em nome do povo. Mas desde que o povo aja conforme os inteligentes e intelectuais acham que ele deve agir. E seja como os inteligentes querem que sele seja.

Ah, sim. A cultura deveria ser dirigida por um programa do Estado. Claro. Vamos criar leis que obriguem todos os botecos e puteiros do Brasil a só tocar Villa-Lobos e Pixinguinha. E quem vai definir o que é cultura elevada? No meu projeto de cultura elevada, por exemplo, 90% da história da literatura brasileira não entraria nos currículos escolares. Muito menos violeiros, como Chico Buarque e Caetano Veloso, ícones de todos os inteligentes. Você aceita assiná-lo? Ou vou ter que apertar o gatilho? Nada mais imbecil do que uma cultura feita de atos institucionais. Bom gosto? Goebbels era apreciador de música clássica e Hitler teve ninguém mais do que Leni Riefenstahl dirigindo a propaganda cinematográfica do Reich. A gravidade da situação de hoje se deve ao fato de as relações humanas estarem absolutamente estropiadas, e não ao fato de não se ler Montaigne. Não há Shakespeare que cure isso. Não há Mozart para esse câncer. Não há Chopin para essa metástase. Não há Homero para esse esgoto.

O que quer então essa maldita classe média que reivindica bom gosto? Nossa, como é terrível o BBB e o funk carioca, não é? Pois o Facebook não passa de um BBB pra pseudointelectuais. Com o agravante de reter informações privadas com uma eficácia que a KGB, o Wikileaks ou a CIA jamais sonharam. Vamos emancipar as massas? Sim. Mas desde que elas sejam dirigidas por nós, que somos inteligentes e sabemos o que é elas não sabem sobre si mesmas. Por isso, sabemos também o que é bom para elas. Parafraseando Bernard Shaw, toda revolução não é nada mais do que uma maneira de transferir a tirania para outros donos.

Pois bem. A cultura de massa não é nada mais do que o reverso de todo o discurso de emancipação popular defendido por todos os progressistas demagogos de todos os quadrantes. Valores? O erro começa ao se usar a palavra no plural. Não existem valores. Tampouco há duas nem mil fontes de valor. Mas apenas uma. O valor é um só. Porque a moral é uma só. Transcendê-la, como fez Nietzsche, não é negar o bem ou o mal, mas simples e sumariamente negar qualquer viabilidade para ambos. Isso quer dizer que se você quer estabelecer dois pesos e duas medidas, pregando a distinção entre uma emancipação boa e uma ruim, você estará apenas hipocritamente moralizando a amoralidade, ou seja, quer dizer que você não passa de um fascista do bem.

Quem fica garganteando valores contra um eventual desvalor da sociedade de consumo, não compreendeu ou finge não compreender que a dinâmica do mundo, há pelo menos dois séculos, não produz mais valores. Produz ações. E uma ação que conduz a outra ação não é nada mais do que a nadificação de todo e qualquer valor. Quem não compreendeu ou finge não compreender isso, não sabe o que é niilismo. Quem não atravessou o niilismo, não entende absolutamente nada do que está acontecendo. Quem quiser continuar criticando as massas e as tecnologias e a defender valores, procure algum grotão sobre a face da Terra onde não exista energia elétrica e fique plantando batatas e fazendo tricô. Agora, com licença que eu vou voltar pro meu Bach. E não encham o meu saco.