segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Venho de um País Selvagem





















Rodrigo Petronio nasceu em São Paulo em 1975, dizem as fichas biográficas, mas é claro que ele vem “de um país selvagem”, um país definitivamente poético e certamente não contaminado pela prosa. Desse país já havia registro nos seus livros anteriores: História natural (São Paulo, 2000), Assinatura do Sol (Lisboa, 2005), Pedra de Luz (São Paulo, 2005). É de fato um país onde só um poeta inspirado, em pleno domínio da linguagem, mas também tomado por ela, poderia ser capaz de perder-se e de se reencontrar em cada poema, como em cada passo da aventura humana no Universo. Nem rousseauniano nem junguiano, Petronio não aceita formular hipóteses nem recorrer a símbolos nem a teses.
Antes nomeia os elementos primeiros, a vida e a morte, os ancestrais interrogantes, os deuses que o habitam, a adivinhação nossa de cada amanhecer, o milagre da eternidade e o desafio do fim. Ele é neste livro um poeta para quem o amor propiciou este retorno ao magma de onde tudo surge e que se situa num território nas antípodas do caos. Neste mundo ordenado há avós, há um pai, há uma mulher amada – amada até esvaziar o próprio ser –, mas a aventura permanece de todos nós, é a aventura humana, e por isso ele cria uma poesia generosa, que inclui o leitor, que conta com ele, que se recusa a existir fora dele.
Sem dúvida, a lógica desta poesia, ou da poesia tout court, leva “nossos passos sobre a terra, entre as algas”. A preposição “entre” deveria ser a mais reiterada nesta série que nos situa na certeza de estar numa viagem perpétua, sempre num “ir para”, ainda que não existam o acima e o abaixo, os centro e as beiras, uma viagem que deve guiar-se sempre por palavras entreouvidas, por golpes de intuição e destruindo sem piedade as falsas verdades da prosa, de um saber “sensato” que nos é imposto como um lastro que nos impede o vôo, esse que era o nosso único destino e que Petronio reencontra para nós na poesia. Porque ela está além dos pequenos paradoxos dessa sensata razão imposta, e por isso nos permite ver o mundo a partir de um grau zero, ou de um grau novo, ou de um grau velhíssimo, imemorial como a água, como o pássaro, como o amor ou como os deuses.
Porventura alguém poderia se surpreender que um pensador como Petronio, que expôs suas idéias filosóficas num livro tão erudito como Transversal do tempo (Recife, 2002), um homem com uma sólida formação acadêmica em Filosofia e Letras, com anos de ensino e vários cursos, que um intelectual desse naipe encontre na poesia a forma mais precisa de conhecimento, e que essa forma de conhecimento seja tão diferente dos sabidos procedimentos acadêmicos? Talvez o diálogo que este livro estabelece com a poesia de Dora Ferreira da Silva – a quem o poeta dedica um dos mais belos poemas da série – explique que possam conviver nele o filósofo que reflete sobre a epistemologia e o poeta que se entrega a nós com sua verdade mais profunda e paradoxal, nessa lógica “não-euclidiana” e de ângulos inesperados que é a da poesia, onde tudo deve ser reinventado, absoluta e eterna como as carpas negras do tempo.

Alfredo Fressia