cantiga 353 - Afonso X
Publicado em 2006, no suplemento cultural do Jornal da Paraíba, O Augusto, editado na ocasião por Astier Basílio, o seguinte artigo aborda alguns elementos da poética de Rodrigo Petronio e Dirceu Villa, respectivamente. Procurei frisar aquilo que considero mais patente no trabalho de ambos. Ressaltei o fato de serem dois poetas jovens, produzindo literatura consistente, com linguagens muito distintas.
A Exuberância & o Requinte

A fusão entre o próprio corpo e a pulsão do tempo nos coloca, reiteradamente, diante do abismo. Mergulho em um corpo sem verbo, diz no poema de abertura do livro Pedra de Luz (Girafa, 2005), “No sentido da terra”. E mais adiante: Não projeto um mundo fora do mundo/ Apenas rumo para o deus viscoso. Ao vazio da lua sou enfim entregue. A aderência ao interior, ao vórtice profundo do corpo. A aderência à carne e sua realidade opaca leva à convulsão dos sentidos, ponto de contato com a voragem da existência. O corpo é a fronteira entre o ser e o mundo, fronteira e aparato vivo com o qual absorvemos, sentimos, tocamos o que nos rodeia. Ao mesmo tempo distanciamento e aproximação do outro, o que nos define, e, por nos definir, nos espolia da totalidade. E se a fronteira se dissolve, por um instante, naquele ponto em que a presença da morte nos sopra aos ouvidos o segredo da comunhão entre os seres, mais clara se torna a precariedade e o valor desse reino. O corpo: tudo o que temos.

Bem, Dirceu Villa nos brinda muitas vezes com poemas delicados, por exemplo, “Cosméticos para o corpo”, que inicia do seguinte modo: que perfume prefiro/esta noite?/resina, madeira/o dulçor de um floral. Em “Lyra aragonesa: refram de abril”, temos uma bela canção de amor, e vai buscá-la na fonte, quero dizer, na fonte do amor como o conhecemos (e apenas essa afirmação é assunto para um ensaio), mas enfim, acreditem: nas formas provençais estão as bases do amor modus hodierno, e ele (o poeta) nos canta daquele que não pode/ mal fazer/nenhum.
Fruição da beleza oferecida a quem está disposto a entregar-se.
Maiara Gouveia, 2006.
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