domingo, 29 de novembro de 2009

REVOLUÇÃO


Parece típico da modernidade, e aqui penso nos tempos modernos, em coisa que começou há questão de cinco séculos, digo, parece típico da modernidade o espírito de insubordinação e de insubmissão. Penso no instinto telúrico e sacro de insubmissão e transcendência que faz de Saint-John Perse um grande poeta, que fez de Rimbaud um grande poeta e faz dos grandes artistas aquilo que eles são. Porém, paro por aqui. Nem tudo no mundo é arte. Nem tudo é estética. Não sei se é temeroso dizer isso, mas a concepção “moderna” de revolução é cristã. Em seu sentido cristão mais radical, como aparece em Dostoiévski, a “modernidade” começou com a Queda. Isso mesmo: com a Queda. Cristo, como “segundo Adão”, veio para regenerar a humanidade do Pecado, não para corrigir o mundo ou melhorar o homem.
Para toda verdadeira religião, o homem pode se salvar, nunca melhorar a sua natureza, pois o mundo está perdido desde a origem. Quem se fixar no mundo querendo refazer as suas estruturas, se tornará ou um idiota ou um assassino ou um louco. Aqui, cristianismo e “modernidade” se bifurcam. O homem moderno vive sua vida querendo melhorar tudo o que o cerca, da empregada de sua casa às estrelas. Quer corrigir o desvio perpetrado por Deus, contra o nosso primeiro Pai: Adão. Quer melhorar tudo, menos ele mesmo. Ele acha que nem tudo está perdido, e, com muito empenho, a razão vai subverter o desígnio de Deus. Essa é a base do pensamento revolucionário.
Desde que o mundo existe, os seres que nele existem pensam que progridem e pensam em progresso. É a ilusão com a qual o Criador criou a ambos, seres e mundo, para que pudessem prosseguir em paz sua rota de martírio e miséria, com a consciência anestesiada. O homem levou alguns milhões de anos para andar sobre apenas duas pernas e hoje se sente glorioso, dir-se-ia revolucionário, quando pára de fumar ou quando faz passar uma emenda no Senado. A revolução é a atitude mais drástica que pode querer um indivíduo imbuído até a medula da crença no progresso. A revolução também é a superstição mais antiga e mais nociva da humanidade: existe desde a pré-história e desconhece fronteiras, raças, credos ou limites temporais, geográficos e políticos.
Aliás, vivemos no tempo das revoluções. Revolução da informática que vai democratizar a economia simbólica e o acesso ao saber. Além do que, alterará toda a subjetividade humana, nos arrojando em uma cadeia intersubjetiva e em uma nova era na qual o homem e a máquina vão cumprir o mesmo destino ritual que outrora houve entre homem e natureza, uma verdadeira guinada comparável apenas àquela ocorrida no Paleolítico. Revolução da economia de mercado, que dará acesso livre à nossa própria liberdade, a mais preciosa e volátil de todas as mercadorias. Revolução da social-democracia, que há de reger o mundo com a mesma ordem sábia com que Buda encontrou o Caminho do Meio. Revolução do sexo livre com gosto preservativo. Revolução feminina de histéricas e revolução dos homossexuais, que serão felizes só e tão somente quando não houver mais nada a reivindicar para a sua condição minoritária, ou seja, quando eles deixarem de ser minoria, revolução esta, aliás, que está prestes a acontecer.
O bom da revolução é que ele está sempre na iminência de poder acontecer, mas, sempre que acontece, não sentimos que passamos por ela, e ficará para os próximos séculos decidir se vivemos ou não uma revolução. Ou seja: a revolução é sempre um passado distante, nunca um futuro que se abre. E é por isso que, felizmente, depois de mortos, poderemos descansar em paz.